Hoje faz precisamente um mês que fiz a maratona de Amesterdão (achava eu quando escrevi o post, mas não. Faz um mês que apanhámos o avião para Amesterdão). Começando onde terminei o primeiro post do Dia D, tínhamos acabado de arrancar dentro do Estádio Olímpico e já não via o Ricardo quando saímos dele.
Passado nem um quilómetro vejo um amontoado de pessoas paradas à frente. Penso se alguém terá caído mas não, depois de andar alguns metros percebo que apenas de tratava de um engarrafamento humano devido ao afunilar do percurso. Olho para o relógio e vejo a média do primeiro quilómetro bastante acima do que era suposto ser o meu pace médio por quilómetro. Veem-me à cabeça dois pensamentos em simultâneo:
1º “nunca, mas nunca correr abaixo dos 5’30’’, a não ser a partir do km 35 se te sentires bem” palavras do coach;
2º nem pensar em começar uma prova longa a dever minutos ao pace médio em que é suposto fazer a maratona.
Posto isto e uma vez que tinha terminado o primeiro quilómetro com um pace de 6’15’’ devido à paragem, lá tive de arrancar e pôr-me a correr os dois quilómetros seguintes a 5’10’’ e 5´18” num ritmo muito abaixo dos 5’30’’ que estava proibida de ultrapassar. Naquela altura pensei que iria ser pior aguentar a pressão mental de estar a correr contra o tempo do que “arrumar a casa” em poucos quilómetros e retomar o ritmo que era suposto ter daí para a frente. De qualquer forma não o fiz à maluca, fui tendo atenção à forma como o corpo reagia e foi-me parecendo tudo controlado.
Ao fim de quatro quilómetros encontro a Bo Irik, tentámos encontrar-nos antes da partida mas não deu, e o mais giro é que foi num dos sítios mais bonitos do percurso dentro da cidade que acabámos por nos ver. Corremos o tempo suficiente para nos terem tirado umas boas fotografias :-), depois de termos constatado que estávamos exatamente com a mesma pulsação, eu disse-lhe para seguir, porque apesar de me sentir bem, verifiquei o relógio e tinha de começar a abrandar o ritmo e passar para os meus 5’35’’ de pace. E a Bo lá foi com as trancinhas aos saltos!
Eu voltei à minha gestão de combustível. Tinha indicações do coach para tomar uma capsula de sal de hora em hora, mas ao fim da primeira meia hora resolvo tomar a primeira, e porquê? Nunca me tinha acontecido começar uma prova com vontade de ir à casa de banho, mas estreei-me em Amesterdão. Na altura acreditei que com a transpiração e o esforço a vontade iria passar, mas ao fim de meia hora a vontade permanecia, o calor não era muito e a transpiração idem. Pensei então que o sal talvez fosse colmatar esse problema e “secar-me” e é certo que resultou. A vontade desapareceu passado pouco tempo, para nunca mais aparecer durante a prova.
Chego ao quilómetro 10 tranquila, a fazer uma boa gestão do esforço e muito focada em tomar os géis, a água e o isotónico nos momentos certos. Tudo se passava de 20 em 20 minutos, e essa foi a minha maior companhia ao longo da prova: tira o gel, bebe água, faz as contas, toma o gel, bebe o isotónico, e isto em modo looping, até ao quilómetro 42.
Os amigos que nos foram acompanhar não estavam no primeiro ponto de encontro combinado, ao quilómetro três, também não estavam ao quilómetro 10, e aí comecei a ter pena deles. Na véspera tínhamos estado a combinar onde estariam à nossa passagem e, especialmente a minha amiga estava um pouco stressada com a possibilidade de não nos ver.
Ao quilómetro doze entrei numa zona de um canal muito largo que parecia um grande lago, com casas espetaculares e várias animações dentro de água para nos distrair. Naquela zona tranquilizei o andar à procura de quem tinha ido até ali para nos apoiar por calcular que não estivessem num ponto tão afastando do centro da cidade. Quinze quilómetros já estavam feitos e o corpo sem se queixar. O ritmo do pace mantinha-se sempre nos 5’30’’ ou ligeiramente baixo, e eu contente a pensar que eram kms que estava a ganhar para a parte final da prova. O piso à volta do “lago” era em terra com alguma zonas mais acidentadas, onde numa dessas passagens vi cair duas pessoas à minha frente, que por segundos não me levaram atrás.
A senhora que provocou a queda apareceu ao meu lado ao fim de uns 500m, vinha com o joelho em sangue e quando lhe perguntei se estava bem, disse que sim mas mostrou-se algo desconsolada por ter “arrumado” com o outro corredor que voou sobre ela e desde então nunca mais o vi. A ela sim, acompanhei-a quase até à meta. Depois daquela troca de palavras ela avança, mas mantém-se uns poucos metros à minha frente. Sempre que sentia algum mal estar no corpo, pensava, vai ali aquela pessoa com o joelho em sangue sem desarmar, não vou ser eu que me vou queixar.
Meia maratona feita, muitas pessoas a ficaram pelo caminho, e quase a sair da zona do “lago”, vejo finalmente os meus amigos, faço daquelas viragens repentinas à outra margem, que os corredores que veem atrás adoram…, e consigo cumprimenta-los batendo-lhes nas mãos. Naquela altura levei comigo energia correspondente a cinco géis. Daquelas que só as good vibes conseguem passar.
Daí a mais ou menos um quilómetro aparecem novamente, agora de bicicleta, e fazem alguns metros ao meu lado. Consigo perguntar-lhe se tinham visto o Ricardo e se estava tudo bem (não fosse o corte da cabeça o levar ao tapete)… e descansaram-me quando responderam que estava tudo bem.
E nisto, estava no quilómetro 30. Centro da cidade feito, zona de prédios altos feita, zona do “lago” feita e faltavam 10 quilómetros de estar quase na linha da meta, estes últimos dez iam ser dedicados à minha filha mais nova. Os primeiros dez tinha andado meia perdida nos pensamentos do pára arranca, dos paces, da vontade de ir à casa de banho, e só quando os terminei é que pensei, vamos lá começar a dedicar quilómetros. Os próximos 10 ao meu filho mais velho e os dez quilómetros seguintes ao do meio. Por volta desta altura vejo a Bo Irik a andar, passo por ela e digo-lhe, “anda Bo, vamos juntas até à meta!” Começou por vir atrás e tentou ganhar ritmo, mas passado pouco tempo disse-me para eu continuar. Fiquei triste por ela, porque sempre pensei que se não fizesse a prova com ela seria por eu não a conseguir acompanhar.
Por volta do quilómetro 35 começo a ver um grupo de amigos de bicicleta a puxarem por uma amiga corredora ao longo de alguns quilómetros. Estava na altura de tomar um gel, dos que não tinha água na sua composição, e não tinha nenhum ponto de abastecimento por perto. Começo a sentir a garganta literalmente a trancar de tão seca que estava. Parecia que não passava, nem ar, nem saliva, nem nada. Olhei para o lado, vi que os amigos da miúda loirinha levavam garrafas de água e lá tive de lhes gesticular a necessidade de beber água, já que quase não conseguiu emitir sons com a falta de ar. Não foi à primeira que me entenderam, mas quando consegui grunhir algo parecido com “WATER”, entregaram-me uma água mesmo antes de começar uma pequena subida, acho que a única de todo o percurso. Devolvida a água, não fosse a amiga precisar, arranquei e nunca mais os vi.
Chegámos ao quilómetro 37. O reboliço de pensamentos é algo parecido com: yeeeeah só faltam três quilómetros para os 40, mas … se lhes juntarmos os outros dois, faltam cinco quilómetros, o que equivale a cerca de mais meia hora a correr, o que não é assim tão pouco ao fim três horas e tal. Mantenho a calma ao lembrar-me que na primeira maratona, em Copenhaga, tive uma forte falta de ar associada à ansiedade de estar a poucos quilómetros da meta. Nessa altura, como em muitas outras fiz um check-up mental ao meu corpo e como me estava a sentir e pensei, começou a doer, então “bora lá dores melhores amigas, estamos prontas para irmos juntas até à meta”! Segundo pensamento, se não doesse não estaria a dar tudo.
A três quilómetros da meta, que coincide mais ou menos com a entrada no parque Vondelpark sinto o inicio de câibra no pé direito. Estava eu a focar-me unicamente em afastar aquele pensamento da minha cabeça quando vejo um corredor caído no chão a ser reanimado por uma equipa médica. Uns metros à frente vejo flash exatamente no mesmo instante que oiço o grito desesperado do corredor atrás caído no chão a dizer que ia morrer. Daí o meu sorriso amarelo para a câmara…
Único pensamento daí para a frente: “a meta está quase ali, o Salvador está lá em cima a dar-me forças, o Ricrado está na meta à minha espera, vieste sempre tão certinha, não é agora que vais deixar cair o pace, as pessoas que estão neste momento a seguir-me na app, nomeadamente o Pedro (coach) estão a torcer para “não cair na praia” e que lhes devo todo o meu foco em troca do apoio que me deram ao longo de toda esta viagem de quatro meses!
Ao sair do parque sabia que faltava pouco mais de um quilómetro até à meta. Comecei a pensar em qual seria o momento certo para tirar a bandeira de Portugal, quando vejo um corredor com a bandeira do seu país ao pescoço, tipo capa de super homem. E pensei, está na hora! Bora Portugal, siga até à meta! Assim que passo uma rotunda e vejo o estádio ao fundo, oiço chamar “RAQUEL”, lá estava a Maria Inês do Team It’s Up to You, na zona de partida para começar a Meia Maratona, sem antes gritar por mim! É a felicidade total ouvir gritar o nosso nome, quando já não sentimos nada e só queremos manter o modo robot até ao destino.
Lembro-me de entrar no estádio e ir em contagem decrescente na pista, 150m, 100m, 50m e a calcular muito bem o momento certo para levantar os braços e elevar a bandeira de Portugal até ao céu na passagem da meta, porque eu sabia que só o ia conseguir fazer uma vez!
Passo a meta e vejo logo o Ricardo à minha frente muito emocionado com o meu feito. Tinha conseguido chegar antes das 4h, com uma vantagem de cinco minutos ao que me tinha proposto e em menos 18 minutos da minha última maratona.
Reencontramos os nossos amigos à saída do estádio, com um ramos de quatro rosas, uma por cada maratona feita, e de lágrimas nos olhos!
Dever cumprido, purpurinas pelos ares e uma vontade enorme de passar por tudo isto, nem que seja por mais uma vez!
Faz dia 20 de Novembro um mês que corri a maratona de Amesterdão e o mesmo tempo que não corro. Foram 15 dias de descanso forçado e, quando quis voltar a correr não consegui. Chegou o momento de tratar das contraturas da perna esquerda e de me tornar uma melhor nadadora e yoga girl. A corrida espera mim e enquanto isso vou vibrando com as superações da família corredora que fui construindo ao longo dos últimos anos.
Sobre a prova: está muito bem organizada, há muitos postos de abastecimento com muita gente a distribuir geis, snacks, águas, isotónicos, esponjas com água, de uma simpatia extrema. Está muito bem sinalizada e o público é incansável no apoio. O único senão foi mesmo o engarrafamento ao início com uma parte do percurso que afunila muito, assim como uma avenida muito larga para a zona nova da cidade onde temos apenas um lado da estrada para correr, tanto de ida como de regresso. Tudo isto passa-se até ao quilómetro 7 ou 8, o que atrapalha um pouco a fase de arranque da prova.
Até breve!
It’s Up to You!
Raquel