Maratona de Amesterdão: Dia D (Parte I)

O Dia D de uma Maratona fora de Portugal inicia-se quando começamos a preparar a mala de viagem. Não se trata de uma mala normal, mas de um “kit primeiros socorros” de corrida.


Tudo o que se coloca na mala tem um propósito para a maratona. Sapatos e roupa interior confortáveis, meias de compressão, relógio, equipamento de corrida para a véspera e dia, manguitos, cinto de corrida, géis, barras energéticas, cápsulas de sal, suplementos, ténis de corrida e, pronto, roupa casual para as horas vagas. Mesmo seguindo uma lista exaustiva, conseguimos chegar ao aeroporto sem o ZMA (suplemento de Zinco, Magnésio e Vitamina B12) que ajuda os músculos a relaxarem durante a noite, e lá começam as despesas desnecessárias com uma ida à farmácia.

Viagem tranquila e chegámos a Amsterdão já fora de horas para jantar. Ainda assim tentámos a sorte, percorrendo as ruas do bairro, e ao fim de vários nãos “a cozinha já fechou” recolhemos aos  hotel e encomendámos pizza e massa pesto para o quarto. Foi jantar, tomar ZMA e dormir que nem uns anjinhos.

No dia seguinte acordámos com ganas de ir fazer o treino da praxe da véspera da maratona, ali mesmo ao lado, no Vondelpark, onde a maratona passa nos quilómetros 2 a 5 e 39 e 40 (mais coisa menos coisa). Apesar da chuva miudinha viam-se muitos corredores, donos a passearem os seus cães e muitas famílias. O treino foi a um ritmo bastante easy mas mesmo assim ainda consegui pensar como é que iria correr os 42.195kms a um ritmo acima do que tinha acabado de fazer. Mas lá no fundo sempre a acreditar que ia acontecer.

Treino Maratona de Amesterdão

O resto da manhã foi passada entre pequeno-almoço e ida à feira da prova buscar os dorsais e dar um look nas oportunidades inerentes do momento. Em seguida fomos almoçar com uns amigos que vieram de propósito de Antuérpia para nos acompanharem nesta aventura.

Hotel Maratona de Amesterdão

Lembro-me de ter respondido à pergunta “alguma preferência de restaurante?” com um simples “tanto faz” quando já sentada à mesa olho para a ementa e para as mesas do lado e só vejo nouvelle cuisine. Limitei-me a guiar-me pela quantidade de hidratos de carbono que os pratos pareciam ter e optar pelo que tinha mais. Eis senão quando me aparece o prato à frente e lembro-me da frase do coach “não experimentar nada de novo nos dias anteriores à prova” penso “estás a arriscar tudo o que não fizeste ao longo de 15 semanas de treino…”.

Almoço Maratona de Amesterdão

 

Tínhamos planeado passar a tarde no hotel a descansar, mas perante a proposta de irmos dar um passeio de barco desistimos da ideia e lá fomos nós, sentados, como manda o protocolo (eu avisei que desde a mala aos passos que damos, tudo é feito tendo em conta os 42195kms que temos pela frente)!

O jantar foi, como manda a tradição, num restaurante italiano, por sinal muito bom, mesmo no centro de Amsterdão, em frente ao Mercado das Flores. Acompanhado de zero álcool, é claro! E alguma água (também não havia necessidade de exagerar que não se previa muito calor).

Terminado o jantar tinha chegado a hora da contagem decrescente. Agora é que era, ir para o hotel, preparar o kit corrida e dormir, para logo a seguir acordar (esta é a sensação) e já está! Siga para a linha da partida.

KIr Maratona de Amesterdão

Até podia ter sido assim, se não tivesse havido um contratempo matinal. Ao sairmos do quarto do hotel para o pequeno-almoço, o Ricardo vai contra uma viga e cai redondo no chão agarrado à cabeça. Como na véspera já tinha acontecido parecido pensei que se ia levantar e ficar tudo bem. Mas não, tinha a cabeça aberta e sangue a escorrer. Primeira frase que oiço “abri a cabeça, já não vou poder fazer a maratona, mas vai tu”.

Ups, decisões difíceis a esta hora da manhã é que não! Ajudo-o a levantar-se, abro a porta do quarto e vou buscar uma toalha para estancar o sangue. Apesar de ter parado, o corte apesar de superficial ainda era extenso. Fomos tomar o pequeno-almoço e esperar para ver se continuava a deitar sangue ou não.

Durante o pequeno-almoço envio uma mensagem com a fotografia do golpe para a corredora enfermeira do Team It’s Up to You e fiquei, a medo, à espera de um bom parecer. E foi o que aconteceu: “Faz gelo até conseguirem e vai à enfermaria sim que eles põem cola e está resolvido! Boa prova para os dois! Isto são sinais… vai ser a prova das vossas vidas. Força!!”

Gelo com ele, equipámo-nos e arrancámos a pé para o Estádio Olímpico que ficava a 1 km e pouco do hotel, diretos para a enfermaria.

Enquanto aguardava pelo Ricardo e o veredicto final, juro que tive receio que a equipa de enfermagem o proibisse de fazer a prova, ainda falei com um português que estava a fazer turismo desportivo. Não se tinha preparado mas como estava inscrito e com tudo pago veio tentar a sorte e fazer o melhor que podia. Tranquilizei e pensei, há espaço para todo o tipo de corredores, os que treinam direitinho, querem dar o seu melhor e partem a cabeça a duas hora da prova e os que vão só para ver no que dá.

Ricardo de volta e pronto para a batalha final! Nem o corte na cabeça nos demoveu para o que nos preparámos durante tanto tempo! Ao entrar na fila para o estádio ainda conseguimos perder-nos um do outro. Eu entrei mais ou menos à maluca e o Ricardo dirigiu-se para o fim da fila, insólito… e assim entrámos no glorioso estádio separados. Telefonema para cá e para lá e arrancámos juntos durante os primeiros 5’’ (perceberam bem, os primeiros cinco segundos!).

Maratona de Amesterdão

As cartas estavam lançadas e começa a viagem “It’s up to me”!

Raquel

Nota: Como não quero cansar os meus leitores, a parte II é publicada num próximo post.